Balada dos Quatro Ventos - 1956
Balada dos Quatro Ventos
Marigê Quirino Marchini
São Paulo, 1956
página 7
BALADA DA COR
A Renato Gutussa.
Antes era o verde.
A vibração das cores não abrangia o ouvido das coisas.
Havia uma uniformidade quieta
perdida entre a espera e o tom.
As árvores pesadas ainda ignoravam
o desdobrar do gesto em pássaros e frutos,
e a relva humilde não desprendera
do todo compacto seus dedos leves,
feitos para as últimas ressonâncias dos luares.
Mas a imagem desceu,
as mãos de chuva suspendendo
espaços florais.
O claro rosto
em mosaico de dias vividos
e tardes irrealizadas.
Lenta como o sorriso dos anjos,
seus pés marcavam o roteiro
das asas das abelhas que viriam
deixando luzes de pólen
nos caminhos estéreis.
Jardins equilibraram-se em seus olhos
onde a música sem princípio
escolheria o começo.
Então rolaram mundos
como órbitas cheias de orvalhos
e seiva luminosa
sobre o verde do antes e da sombra.
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página 8
PASTORAL
Nos violoncelos verdes
dos bojos das árvores,
o molto moderato
da escala do vento.
Embaixo, o riacho
pizzicateando
nas pedras do leito.
Compasso ternario
de sol, lua e eu,
(também natureza).
Andante cantabile
da felicidade,
no dia, na noite
e em minha face.
...
página 9
VARIAÇÕES SOBRE UM TEMA
A tarde chora horas verdes
sobre o mar
para que no crepúsculo das águas
surja a iara
com um sorriso vegetal
para as barcas dos pescadores
pesadas de saudades da terra.
A tarde, no crepúsculo das águas,
mergulha as mãos verdes da floresta,
e traz numa rede vegetal
o último sorriso
de quem sonhou a lenda da iara.
As árvores prendem as horas
no fundo dos lagos.
Por isso eles são os relógios das florestas,
com olhos de iaras como ponteiros verdes
marcando o tempo das lendas
...
página 10
DRESDEN 1945
Somente o espectro das rosas
sobre o túmulo que as crianças não tiveram.
E a reticência dos sinos,
que foram infância nascendo do Elba,
na interrogação das pedras.
Pela alma dos museus,
as órbitas do silêncio contemplam
a relíquia das cinzas e dos ossos.
Apenas o sorriso dos anjos de pedra
atravessou as crateras seladas
colocando a ogiva das catedrais
sobre as mãos vazias de adeuses.
Mas a cidade, que foi dia e jardim,
não florescerá mais,
nem na esperança dos fugitivos,
nem além do noturno das sirenas.
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