Diário de Bordo - parte 3.10 - de Marigê - Suíte dos Pássaros - Suíte dos Rios

Diário de Bordo, de Marigê Quirino Marchini.

São Paulo, 1958.

Parte 3 - Margem

Neste blog, parte 3.10



página 237

SUÍTE DOS PÁSSAROS


I

Reviveram suas penas no esmalte do sol

ao fogo das clareiras exteriores. 

Partindo sete vezes sobre o mesmo rumo,

lançaram nevoeiros entre os intervalos verdes,

sendo os primeiros adivinhos de estações.

Emigrantes coloridos entregaram os arrabaldes

e as primeiras vilas às incertezas da escolha. 

Deliberaram entre si qual seria lua

e cantaria a noite dentro de seu voo.

Escolheram entre eles próprios a nuvem e o mormaço

e batizaram-se ainda no limite do outono

de árvores móveis e negras.

Depois, os cataventos souberam de um novo canto,

enlaçaram a luz e o vento na mesma dança.

Os telhados quietos permitiram-se a loucura

de serem abrigo ao absinto das florestas. 

Invernos defolharam o horizonte,

a primeira calma esculpiu a neve

como a irmã tardia de uma estrela ausente 

aonde emigrarão os perdidos voos.  


...

página 239 


II


Terrenos foram sulcados. 

Ai, o arado da chuva!

Plantai sementes de lua, 

depressa,

enquanto os dias dormirem.

Quatro pássaros noturnos

farão o giro da noite

e precisam de alimento.

Norte sul leste e oeste. 

(Onde está o louco invento

que me permita evasão?)

Colhei os frutos da lua,

irmão. 

Cinco pássaros noturnos

farão o giro da noite

e precisam de alimento.

Norte sul leste oeste

vento. 


...

página 241


III


Pássaro

cântaro de voo e alvura

esquecido

na horizontal planície do sobre.

Sobre eglantinas

a fonte de teu chegar; 

sobre alamedas

teu gargalo de canto

ondeando a manhã; 

sobre as mãos densas 

erguidas para teu pouso

a juventude do céu.  


...

página 243


IV

Nunca se escusarão os dias 

pela pressa que afugenta

os pássaros dos ombros das estrelas. 

Porque quando os dias cansados viram pássaros

doutro lado do mundo os pássaros são dias 

que vêm e não se escusam pela pressa que afugenta

os dias pássaros dos ombros das estrelas.  


...

página 245 


V


Desde o começo da lua 

perseguem o tempo

pássaros do mundo. 

O voo é um círculo

acabado nunca -

onde sempre caberá mais um sono de rosa

e uma desdita.  


...


SUÍTE DOS RIOS


página 247 

I


São cruzados e raízes de igual planta.

E no entanto solitários entre si 

como os desejos noturnos que carregam

das cidades ajoelhadas em suas margens


.... 

página 249 


II

Pela angústia dos rios

somente as margens.

E talvez

o sono dos peixes azuis

as bocas rasgadas

pelos pescadores de maravilhas. 


...

Página 251


Rápido é o percurso dos rios

entre as flautas de bambus.

Mas silêncio algum conseguirá deter 

o troféu de lamentos 

que um orgulho de pressa arrastou 

dentre o triste inalterado.  


...

Fim das suítes. 

Continua aqui

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