Este livro, Diário de Bordo, de 1958, está dividido em três partes:
Primeira parte - Anotações no calendário. Páginas 11 a 33.
Segunda parte - Liturgia em azul bemol.
Terceira parte - Margem.
Neste post vou apresentar a primeira parte. Este é um livro ímpar, pois tem a faculdade, possível na época, de apresentar um poema apenas nas páginas ímpares. E por que isso? A finalidade é sugerir que o leitor, a leitora, tomem seu tempo, leiam devagar, como se estivessem lendo haicais, deixando um espaço para meditação. Livro para degustar, para abrir de vez em quando, não para ler correndo.
Além disso, como as páginas pares que defrontam os poemas estão em branco, elas podem ser usadas pela leitora ou pelo leitor como seu próprio Diário de Bordo. Isso no livro impresso, que espero um dia seja reimpresso. Pode se encontrado em sebos, mas é difícil. Por isso, estou divulgando aqui.
#paratodoslerem - As imagens são fotos das páginas dos livros. São páginas brancas com escritos em cor preta. O conteúdo é igual ao poema digitado para acompanhar. Não sei se os leitores de página fazem a separação correta dos versos, receio que não o façam. Por isso, tentarei divulgar em áudio, quando descobrir como fazê-lo.
Primeira imagem a seguir. Folha interna com o nome da autora na parte superior - Marigê Quirino Marchini - o título do livro em tamanho maior, na parte central - Diário de Bordo - e ao pé da página, está escrito São Paulo e o ano 1958.
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Folha interna onde está escrito: Diário de Bordo, e ao pé da página, o nome desta primeira parte do livro: Anotações no calendário.
Explicação: os poemas são como haicais, como anotações no calendário, que refletem impressões, observações da paisagem e da passagem do tempo.
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Era uma vez uma nau
um mar um tempo e o nada.
,,,
...
Solidões dos mapas náuticos
navegamos
marolas de folhas
sal vermelho de ocasos
mansidão de chuva
do canto das gaivotas na âncora das mãos.
...
Continuam as dispersões de céu
quase névoa.
Quintais murados de vento ...
Tombadilhos fantasmas
onde no mastro inconsciente
os meninos têm perfis de grumetes.
...
Para depois
do vale
orvalho
e sua essência
sal na manhã
singrarei o horto das violetas
marítimo.
...
Flâmulas de chuva à deriva.
Festa marítima de caminhos
a grama cresce sobre as lendas.
Na amurada da tarde
é decifrado o momento das nuvens.
...
Aportar ao som errante
dos relógios antigos
que dão a hora qualquer.
Nenhuma cadência nas badaladas
apenas a colorida impressão
de um reflexo antigo estendendo
tetos de argila sobre o cansaço.
...
Partir, inesperado dos contornos.
Ainda
há vidraceiros fabricando a lua
doutro lado do mundo.
Recortam o duro riso
com o diamante dos dedos.
Ainda
retomam os jardins interrompidos
os violoncelos depois da chuva.
Ainda
há poderes para abrir
o fecho das caixas reais.
Ainda
começa o outono com a mesma rapidez
e talha na madeira das portas
pão e loucura.
Ainda
as borboletas cruzam incólumes as fronteiras.
...
Entardece a lua no seu próprio dia.
A madrugada deixou quatro cantos de mundo
sobre as histórias.
Solidões náuticas
entoemos redemoinhos
enquanto a sombra cansa nossos rostos.
...
Redes adormecidas,
acordai ao peso das sereias.
...
Há fatalidade
de alvorada nos portões.
Lentamente
adernam pensamentos nos jardins.
No relógio das tulipas o tempo de salvar
o lastro de orvalho e a estrela maior.
...
Antecipa-se na sombra sem prelúdio
a fuga dos loiros vendavais ...
Os telhados viajarão
barcos cinzentos
no ondular das manhãs nascidas mudas.
...
E os jardins recolhem os naufrágios ...
Verão de luas
como se as noites fossem velas quietas
em castiçais de flores.
Desaparecidos cruzeiros e distâncias.
Nas terras e nas montanhas
as tulipas despem-se
dos sete véus dos mares
entre um crescente baço e a lua plena.
Este poema, da página 33, encerra esta primeira parte do livro, Anotações no calendário. A parte seguinte é Liturgia em azul bemol, que tentarei trazer em um próximo post ou página. Assinado, a curadora. E.S.
Parte 2 -
Liturgia em azul bemol - clique
aqui para acessar.
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