Diário de Bordo - parte 2.6 - de Marigê

 Diário de Bordo, de Marigê Quirino Marchini.

São Paulo, 1958.

Parte 2 - Liturgia em azul bemol.

Neste blog, parte 2.6 - Devido a ser uma parte mais extensa, será apresentada em diversas seções neste blog. Se possível, as imagens serão posteriormente incluídas. 





página 85 


Sobre o rio cidade

sobre o rio tempo.

As pontes e os relógios

perdidos ambos para o regresso;

de um ferro muito enxuto em que nada resvala

nem as lágrimas dos que seguram suas grades.

Oh! Quando é melhor transpô-los

sabemos bem que os passos são poucos 

e é preciso algo mais que nosso medo. 

Que os relógios contam os rubis gastos

e as pontes as voltas

em que tentamos transformar as bússolas.

E tudo em vão.

As horas e as voltas somos nós 

com olhos e ouvidos

e o que vemos são as pontes

e o que ouvimos, sempre, os relógios. 



página 87  


As estrelas são brancas

e nasceram ontem. 

Que os horóscopos sejam dilacerados,

armaremos outros

com a paciência de anjos prisioneiros.

Que as estrelas são brancas

e nasceram ontem. 



página 89 


As sombras dos mortos

cavaram o outono em vales de espelhos

semeando a imagem futura.

As raízes não são brancas

mas levam a força do vento 

e segurarão a música da terra;

sarabanda de lírios

cingirá os jardins exteriores.  



página 91 


HORA DE AUSÊNCIA 


Esta é a hora

que os deuses se aproximam

vindos de signos impossíveis

trazendo a presença das faces não reveladas 

cingidos de luas 

que perduraram além da queda das noites. 

Que esta é a hora

dos deuses transformarem olhos 

em fadiga

e oferecerem 

a vinha dos poentes relembrados.

No entanto perduram luares 

além da queda das horas

e os signos impossíveis

traçam um crescente de lírios sanguíneos 

no outro lado das revelações ... 


....



páginas 93 e 94 


REQUIEM  A PREAMAR 


No túmulo dos pescadores,

entre o Mar Vermelho

e a lua 

que convidados de pedra

lamentarão o profundo sono

sob a luz dos adereços

dos anjos? 

Nenhum. Caminhando no entanto

qQuatro a quatro, dois a dois ou um,

mortos, dentro da própria dimensão, 

não serão perdoados talvez 

pelas hastes de rosas que partiram

para enganar os azuis tranquilos.

Mas serão pelo duplo voo

no segredo das arraias

no impossível tempo.


Eles voaram sim

e os arquipélagos sabem 

e os derradeiros crepúsculos

e os navios de ontem.


Preferiram nos ombros da lenda

redes as mais pesadas:

olhos de pescadores de pérolas

brancos pelo sal

não trarão mais que o cântico areal

e a água translúcida

para a benevolência antiga do repouso. 


...


página 95


Andorinhas do mar

perguntarão qual é o mar

na manhã em que areias colocarem

pontes de juncos entre as distâncias.

As águas profundas

serão os cantos das aves marinhas,

prisioneiras

entre um ocaso verde e um levante florido ...  



página 97


Os mágicos deitaram 

e negam no sono sem asas 

a marcha branca dos albatrozes.

Onde renascerão

os pés, o bico, e sobretudo os cantos

rasgadamente marinho, marinho,

senão na tinta pobremente azul

dos estudantes de maravilhas? 


... continua aqui ...  

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