Diário de Bordo - parte 3.3 - de Marigê

Diário de Bordo, de Marigê Quirino Marchini.

São Paulo, 1958.

Parte 3 - Margem

Neste blog, parte 3.3


página 133


É hora de enterrar os colibris

sob a grama dos parques.

Agapantos conhecerão quanto é tarde 

em suas pétalas

quando as mãos se afastarem

cobertas de cantos.

Ah, o começo do outono

com suas armadilhas várias

lentas de desfazer os desenganos ... 

Flor ou martírio

o que feriu mais de perto

a tentativa de pairar?

Os colibris não se reconhecerão

mais tristes ainda porque sem culpa;

no entanto tão fácil é o apagar de seus corpos leves

e tão igual

foi o deslizar de suas asas para o imóvel.


...

página 135  


Foi combinado entre mim e ti, ave,

descrever o mesmo destino.

Danças lentas dançaremos que a música é a mesma

uma sensação de voo dentro da morte

a inapagável resposta

um dia gravada em nosso braço e asa. 


... 

página 137 


Permutaremos nosso canto de setembro

flor.

Terei a descuidada origem

que sabe o fenecer e o botão uma só coisa.

Tereis a mácula da hora adiada

este desejo mais soluçado

e o medo vão. 


...

páginas 139 e 140


BALADA DOS ANDANTES


Eles permaneceram fiéis à descoberta:

esse caminhar sem margem pelos parques dos reis:

não sabendo quando os deixaram distraidamente

avançando o próprio perigo.

Nenhuma ligação os fará abrir os alforges

e cear juntos a solidão comum

adormecendo sobre o mesmo campo.

Mas que censura ousará, se 

cada um come com seus pássaros

e respeita o código das histórias?

- deixar as migalhas para os pequenos-polegares

voltarem.

São mais companheiros que se o dissessem,

plantando ao mesmo tempo seus pinheiros acesos

nos bivaques tristes

para a noite saber que está circundada

de aventureiros

e entregar a cada um sua parte de sonho. 

Depois, as bruxas e os espíritos

serão mais fortes

encurralando-os no topo das montanhas

num poder breve.

Prisioneiros, soarão suas horas

separadamente

porque a liberdade espreita e levanta

um pó inconsútil em seu voo

tornando-os invisíveis uns aos outros.

Assim não saberão quando

trocaram de novo as cavernas

pela safra das violetas próximas.  


...

página 141


CANTIGA


As águas terminarão 

quando apagadas 

pela janela mais próxima.

A chuva é ilusão

que se desfaz com a gravura do passado

a chávena

e a quimera esquecida no jardim.

...

página 143  


Da manhã

os ponteiros cantaram cinco instantes. 

Clarabóias verdes, reveladas

na aproximação da aragem das montanhas. 

Que festa de jograis noturnos

desenhou esse véu mágico das portas 

como a entrada embaciada dos reflexos

e a partida dourada dos relógios?  


... continua aqui ... 





...


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