Diário de Bordo - parte 3.6 - de Marigê
Diário de Bordo, de Marigê Quirino Marchini.
São Paulo, 1958.
Parte 3 - Margem
Neste blog, parte 3.6
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página 181
Despertam jardins e luas
ao mesmo tempo.
A relva que cresce no plenilúnio
e os cabelos dos sonâmbulos
são azuis e doces
como as flores perfeitas.
Nas outras fases
a relva que espera e os insones
terão a foice
ou o silêncio
para ceifar seu pranto.
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página 183
Detem-se o horizonte das aleluias
na margem das lagoas
onde o verde patético
criou flores em forma de raízes.
Limite involuntário
no rastro vertical das rãs vermelhas.
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página 185
BAILADO
Lar de carvoeiros
noite da floresta.
Filha de carvoeiros sou,
clã negro:
sul, lua nova, meia-noite.
As folhas mais polidas
são carregadas perfeitas
para as chaminés do outono.
Que ardam bem,
com um fumo branco de vento e orvalho.
Para isso percorremos todos campos
empilhamos estrelas.
Árvores seculares.
Lenha mais pesada
que ombros suportaram?
Somente porque
temos violetas no lugar de olhos
isso é possível
e como violácea recompensa
trazemos nossas mãos queimadas
no braseiro do dia.
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página 187
Quem cingirá os meus pulsos com violetas
e trançará a tarde entre meus dedos?
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página 189
Madrugada
galeria sobrepovoada
de tudo:
vidraças antigas
inocentes
de todos os desejos que as transpassaram;
sombra no côncavo das mãos
para o débil clarão de vênus;
rebanhos em pedra
seguindo o destino dos pastores.
Agora tudo
o canto dos galos dispersará
para os quatro rincões do eco.
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página 191
Uma aragem
quebrou todos os frascos de silêncio
e a pergunta não tem mais sentido
mesmo que a noite
fosse uma esponja de jasmins.
E ainda
há um pássaro que ousa responder.
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página 193
Tentação sem contorno
das luzes pelas luzes.
Interiores da noite ignoram
ter pousado uma lanterna
sobre o trêmulo orvalho dos vitrais.
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página 195
No jardim de ontem
as trepadeiras subiram
a lenda dos telhados antigos.
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página 197
Alaúdes de jade
foram esquecidos nos jardins.
Que trovador
levará o canto da seiva
à janela das rosas colhidas?
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página 199
(Inventar luares,
que as porcelanas de neve precisam ser pintadas
e os meninos acreditam nas luas sem as fases.)
Há um pardal invisível
e crisântemos na lua da tarde.
A chuva apagou a lua de um minuto.
Ela renasceu do outro lado dos espelhos,
lanterna de seda.
Somente o azul dos lagos
prestou atenção ao vento:
no canto dos cisnes
há uma lua de manhã para cada rosa.
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página 201
Amanhã e relva esmagada
essência
na sombra verde de pan.
Face da tarde
ungidos de abandono
também os vales
pelos dedos negros dos pinheiros.
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página 203
BALADA DE ARRIBAÇÃO
Essas hastes que se enlaçam
contra o sereno trançado
das cercas,
ontem foram campânulas.
Hoje unicamente
véus amargos e sem peso
sobre o prazo lento dos retornos.
O adeus volátil para os campos ...
Ali nos bosques
o sono é mais claro, ainda que sem plumas:
do oco fugaz
cavado no excessivo tempo das madeiras
ressoa evasiva
a ária da última garganta.
...
continua aqui
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