Diário de Bordo - parte 3.9 - de Marigê - Suíte de inverno
Diário de Bordo, de Marigê Quirino Marchini.
São Paulo, 1958.
Parte 3 - Margem
Neste blog, parte 3.9
...
página 223 a 235, um poema por página ímpar
SUÍTE DE INVERNO
I - Os telhados azuis
Eles já foram frutos de verão
maduros de sol e de ausências
mormaços inconscientes pesando
sobre as raízes brancas das paredes.
Agora, azuis no nevoeiro,
são conscientes e são eles mesmos,
balaústres de asas e torpores.
Porque a fragilidade das manhãs
indefinidamente renasce nas calçadas
e ancora-se nas telhas da paisagem ...
Porque as linhas são quase irreais
e só eles perduram no inexpressivo;
lanternas mágicas de gestos recolhidos
num crepúsculo inventado por duendes.
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Comentário da editora deste blog: este poema é sobre os telhados, que no verão eram vermelhos, nessa paisagem de inverno com nevoeiro são azuis e perduram, têm densidade. O poema é como uma pintura impressionista.
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II - Metamorfose
Outro começo terão as margaridas
nesta invenção de dó.
Completamente branco
foi o chão onde dançaram suas raízes
na antevéspera da morte.
Que fazer de dois dias anteriores
ao poema?
Um em cada mão serão jogados
margaridas à torre mais alta
do futuro
numa dança inocente sobre as grades
fechadas.
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Comentário da editora do blog: os dias são margaridas anteriores ao poema.
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III - Ronda
A flor e a neve
ambas um contínuo surgir e gelar
prisioneiras da própria estação
direita e esquerda de meu destino
onde cabe o abismo de seus sonos
perfume ou branco.
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IV - Sortilégio
Sob as tapeçarias de inverno
a secreta porta.
Eu posso emergir de arbustos e cascalhos
como um duende
coroado de segredos:
as estradas roubam endereços
vendados por nevoeiros
e escondem no escuro sudoeste
as cidades de prata;
na cela das clareiras as salamandras trazem
com minhas mãos
fogo e ervas para os caldeirões ciganos;
longe as aves de rapina
caçam crepúsculos no frio
e os pássaros pequenos têm em qualquer lado
as chamines das histórias
de Grimm.
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V - Floco
Raízes
de pinheiros e lareiras
no solo do inverno.
Ali se encontram
a dança do verde
e a dança do fogo.
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VI - As crianças de neve
Para dentro, como um novelo que se recolhe
e se aninha entre a própria lã
tecendo quieto o seu calor:
assim, contornassem às pegadas as chaminés de inverno ...
Que os meninos, os rostos vedados de capuzes velhos,
os olhos desabrigados,
inaugurariam a sala dos brinquedos brancos.
"Aqui sentaremos, cirandando imóveis
e nossos dedos escorregarão pela face das histórias repetidas.
Fora, o caminho e o vento
transporão a sombra
perdendo-se de todo no silêncio.
Agora que as horas são infantis,
no aroma de pinheiros queimados
os aniversários que não tivemos".
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VI - Balada
Jardins, invernais e longos
por causa das meditações.
Eles também reclusos
em teias mas já não as mesmas
emboscadas de orvalho e borboletas.
Em cada desfolhado corredor
o vento é um pacto com os salteadores:
aqui cumpre abandonar
sem desejo de resgate
a mais secreta despedida
em cada passo tardia violeta.
* fim da SUÍTE DE INVERNO *
continua aqui
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